Longe das discussões no varejo sobre a crise sanitária e seus desdobramentos, sócio-econômicos, políticos e científicos, vejo que há uma conversa pendente sobre ética que o terrorismo histérico escondeu.
Antes de avaliar a eficácia das vacinas e tratamentos, passaportes, confinamentos e outras medidas que aviltaram nossa individualidade e liberdade, antes da nossa saúde física e mental virarem um detalhe desprezível diante de interesses econômicos e subserviência de governos e ensaios para aprendizes de ditadores, havia uma grande discussão sobre a ciência e seus limites que não fizemos.
Uma imprensa curiosa e em permanente estado de dúvida deveria trazer essas questões para discussão. Na iminência do uso emergencial de vacinas experimentais, deveríamos saber que a situação não era nova e já havia alimentado muitos debates.
A NVIC, a National Vaccine Information Center (Centro Nacional de Informações sobre Vacinas) dedica-se ao tema. Esta é uma associação fundada em 1982 por pais, cujos filhos foram vítimas, algumas fatais, de reações adversas a vacinas.
Em março de 1997, Barbara Loe Fisher, presidente e co-fundadora da NVIC, participou de um debate na NBC TV. Sua participação rendeu um convite para uma apresentação em maio daquele ano no National Vaccine Advisory Committee, U.S. Department of Health and Human Services, on voluntary, informed consent to vaccination (Comitê Consultivo Nacional de Vacinas, Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, sobre consentimento informado e voluntário para vacinação).
Sua palestra The Moral Right to Conscientious, Philosophical and Personal Belief Exemption to Vaccination (o direito moral consciente, filosófico e a crença pessoal na isenção da vacinação) traz uma grande e didática discussão sobre os direitos morais e éticos que acompanham o tema. Nada mais adequado e atual para o distinto público nesses dias.
O conceito da bioética emergiu depois da 2ª Guerra Mundial, durante o julgamento dos crimes de guerra e deu origem ao Código de Nuremberg que determina que os direitos dos indivíduos devem vir em primeiro lugar.
Jay Katz, professor de direito, médico e eticista em Yale, considerava que avanços da ciência devem se curvar à proteção da inviolabilidade individual. “Os direitos dos indivíduos à completa autodeterminação e autonomia devem vir em primeiro lugar. Os avanços científicos podem ser impedidos, talvez até impossíveis às vezes, mas esse é um preço que vale a pena pagar”.
Para o professor e bioeticista Arthur Caplan, “o Código de Nuremberg rejeita explicitamente o argumento moral de que a criação de benefícios para muitos justifica o sacrifício de poucos. Todo experimento, não importa quão importante ou valioso, requer o consentimento voluntário expresso do indivíduo. O direito dos indivíduos de controlar seus corpos supera o interesse de outros em obter conhecimento ou benefícios deles”.
Essa é uma discussão presente em escrituras religiosas e tratados filosóficos que reconhecem que o próprio sentido da vida depende, em grande parte, da capacidade do indivíduo escolher seu próprio destino. O tema percorre a História das civilizações. Mas em comum está a ideia da prevalência da responsabilidade individual.
Essa autoafirmação do indivíduo ou livre-arbítrio foi checada por uma doutrina ética e política conhecida como utilitarismo proposta pelo inglês Jeremy Bentham. De maneira simples e direta, essa teoria avalia que o erro ou acerto de uma ação pode ser avaliada por suas consequências na vida das pessoas.
O utilitarismo influenciou o marxismo e o perigoso centralismo democrático. Suas manifestações sustentaram governos autoritários ao longo do século XX. Na Alemanha de Hitler foi levada ao extremo, onde médicos, a serviço do Estado nazista, consideraram que um pequeno grupo de indivíduos pode ser sacrificado pela felicidade de um grupo maior. Foi assim que justificavam experimentos para purificação da Alemanha.
A História, contudo, registra o emprego desse ‘utilitarismo’ depois da 2ª Grande Guerra, em vários governos ditatoriais, onde liberdade e individualidade desaparecem em prol de uma maioria. Esse é um assunto que a mídia deveria fazer chegar à política para responsabilizar nossos representantes por seus desdobramentos. Infelizmente, nada disto aconteceu e na ausência dessa conversa, ainda falamos em vacina como redenção, quando sua ineficácia está escancarada depois de duas, três, quatros doses…