Se você tinha alguma dúvida sobre a falta de caráter e desonestidade do jornalismo brasileiro, o encerramento oficial das atividades do Consórcio de Veículos de Imprensa acaba com todas elas. Ao anunciar, no dia 28 de janeiro de 2023, o fim de suas atividades e fazer um balanço delas, registra sua militância e como escreveu uma página vergonhosa para o jornalismo.
A Folha, Estadão, O Globo, UOL, G1 e Extra oficializaram o fim dos boletins conjuntos, depois de 965 dias. No comunicado oficial, o grupo abusa do cinismo e hipocrisia, ao afirmar que “sua missão de garantir a transparência sobre o impacto do coronavírus e da vacinação” estava encerrada.
O Consórcio, desde o início, foi um teatro, mal ensaiado, da imprensa contra o Governo. Jamais esteve preocupado com a saúde da população durante a pandemia, a transparência das informações ou a boa prática profissional do jornalismo.
As relações tumultuadas com a presidência e a crise sanitária serviram de pretexto para a criação de uma narrativa, que não encontra respaldo na realidade dos fatos. O show comandado pelo Ministro Mandetta, com divulgação de boletins diários, às 17h, alimentou o Jornal Nacional, o pânico da população, o desgaste do governo e a fama do ministro. Durou até meados de abril de 2020.
Após a saída de Mandetta e a rápida passagem de Nelson Teich, veio Eduardo Pazuello. Nessa altura dos acontecimentos, as coletivas desapareceram e a divulgação dos dados passou para horários que comprometeram o fechamento das redações, sem exceção.
Para alimentar a guerra de informações, onde a notícia era um detalhe, Imprensa e Governo travaram uma batalha improdutiva e desgastante. A imprensa trabalhou para expor a falta de transparência do Governo com os dados da pandemia e, enquanto fazia isto, comprometeu de vez sua credibilidade para leitores críticos e alheios às disputas ideológicas e políticas. O Governo não saiu ileso desta luta.
O Consórcio manipulou a informação e criou realidades paralelas, deu voz e credibilidade para associações, instituições e personagens, com evidentes conflitos de interesses. Para criticar a crise com a divulgação de dados, não faltaram deslumbrados dirigentes e representantes de entidades, como Instituto de Questão de Ciência, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões e a Sociedade Brasileira de Infectologia, entre outros. Isto sem falar em colaboradores e pesquisadores que viraram celebridades, seja pelo descompasso com o Governo (Wanderson de Oliveira) ou, por subsidiar o terror sanitário (Eduardo Massad).
O CONASS (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), ao lado dos governadores, a maioria em lua-de-mel com os veículos do consórcio, assumiu a divulgação dos dados sobre a pandemia. E assim o fez ao longo desse período.
Agora, quando finaliza suas atividades, o Consórcio deixa registrado, com farto material, interesses e incompetência dessa fase triste do jornalismo brasileiro. Os dirigentes desses veículos saudaram o evento como um marco de ousadia e coragem. Mas sinalizaram apenas a falta de caráter e ética de alguns profissionais da imprensa. Os atos de manipulação política e omissão de fatos estão aí para lembrar da péssima qualidade do jornalismo, que se fez nos anos de Bolsonaro.
O próprio Consórcio de Veículos de Imprensa, longe das virtudes que prega, é um arranjo mambembe e jamais foi independente. Sua fonte de informação, por meio do CONASS, eram as 27 secretárias estaduais de saúde que, na verdade, são abastecidas por dados das cidades, depositados diretamente no único sistema disponível para receber esses dados, hospedado no Ministério da Saúde.
Isto ficou claro quando um ataque hacker paralisou o sistema, em 10 de dezembro de 2021, e vários estados tiveram problemas para atualizar seus dados. Esse episódio deixou clara a dependência dos estados em relação à máquina federal, a única com estrutura para gerenciar esses dados e alimentar as secretarias estaduais.
Se quisesse fazer um trabalho honesto e transparente, o Consórcio deveria assumir que sua fonte de informação sempre foi o Ministério da Saúde, único banco de dados capaz de receber as informações de mais de 5.000 municípios brasileiros. A fonte para os relatórios das secretarias estaduai, divulgados pelo Consórcio como se fosse independente.
O cinismo desses veículos do Consórcio foi desmascarado pelo Poder360. Em reportagem, mostrou que a diferença era de menos de 1% entre os dados. Posteriormente, mostrou que as estatísticas oficiais eram idênticas às dos ‘veículos independentes.
O trabalho do Consórcio de Veículos de Imprensa sempre foi inútil e nada além de uma peça para militância pueril e interesses políticos, uma ruptura com as premissas elementares do jornalismo. Ajudam a disseminar medo, desinformam quando omitem os efeitos adversos das vacinas, nem noticiam as investigações em curso nos EUA, Europa e Japão.
Ao encerrar suas atividades, o Consórcio deixa um legado vexatório para a imprensa e jornalistas que participaram desse engodo. Se o jornalismo está em crise, parte da sua origem está no profissional, que não sabe separar a militância da informação. E acaba fazendo mal às duas coisas.
Há muita culpa a ser expiada. Os eventos da pandemia e existência dessa união sinistra, expuseram profissionais à manipulação de fatos, omissão de dados, construção de narrativas e amordaçamento de vozes dissonantes do debate. Essas não são atribuições de um jornalista e nem justificam os descaminhos que o jornalismo tomou. É hora de uma longa conversa sobre os valores éticos e morais, que organizam a sociedade, nossa vida e estão ausentes da escola.